Maior sensibilização é preciso para que a redução do desperdício alimentar seja real
Coube a Carlos Hipólito, Head of Portugal da Phenix, abrir o encontro, lembrando que a realização deste evento surge na sequência da estratégia desenhada pela start-up para 2023 e 2024, da qual se destaca o interesse em posicionar-se “na linha da frente também na vertente da sensibilização e consciencialização” sobre o desperdício alimentar. Foi, aliás, por esse mesmo motivo que a reunião se realizou no Dia Internacional da Consciencialização sobre Perdas e Desperdício Alimentar, assinalado a 29 de setembro desde 2019
Todos os que participaram na primeira edição do Make it Sustainable – Food Waste Edition, evento organizado pela Phenix, no dia 29 de setembro, em Lisboa, foram unânimes em considerar que a redução do desperdício alimentar é tarefa que cabe a toda a sociedade. Porém, para que se torne real, é imprescindível maior sensibilização para o tema. Educação – a começar nos mais novos – é fulcral, mas é igualmente importante que as empresas adotem boas práticas de sustentabilidade, sem esquecer a sobrevivência e longevidade do próprio negócio, para o que pode contribuir, como ficou bem claro, a atenção ao desperdício.
Como educar para a redução do desperdício alimentar?
“Como podemos educar os consumidores sobre o desperdício alimentar e a sustentabilidade” foi o tema do primeiro painel de debate, moderado pela jornalista Daniela Santiago, editora de Ambiente e Ação Climática da RTP. Nas suas palavras, “são necessárias medidas urgentes, ideias, motivação, inspiração e até imaginação” para ajudar a combater o desperdício alimentar, que, em Portugal, é um autêntico problema. Com efeito, como realçou,
“na União Europeia, Portugal ocupa o quarto lugar dos países que mais comida deita para o lixo, sendo que cada português deita fora 184 quilos por ano”
Além disso,salientou que há ainda que ter em conta o impacto ambiental deste desperdício, que “é responsável por 8% das emissões dos gases de estufa”
A sustentabilidade é, segundo António Ribeiro, do Jupiter Hotel Group e um dos participantes no painel, uma das principais preocupações deste grupo hoteleiro, “e já o era ainda antes de se começar a falar de sustentabilidade”. Como tal, várias medidas têm vindo a ser implementadas, já desde a construção da unidade de Lisboa. Ainda assim, explicou que a “grande preocupação” no que diz respeito ao desperdício alimentar encontra-se na unidade de Albufeira, por se tratar de um all inclusive, isto é, em que a diária paga pelo cliente inclui todas as refeições, o que pode dar azo a grandes quantidades de excedentes. Como tal, é aqui que, como referiu, a parceria com a Phenix está a dar frutos, permitindo “recolher 1800 refeições por mês só naquele hotel”.
O que também contribui para a redução do desperdício alimentar são medidas como a partilhada por João Silva, Regulatory Manager Iberia da Danone Portugal, que consiste na forma de declarar o prazo de validade dos produtos comercializados pela marca no nosso país. Com efeito, o prazo de validade passou a ser declarado “de preferência até”, o que significa que o produto poderá estar apto para consumo após aquela data. Tal é possível, afirmou, devido ao método de fabrico e aos fermentos utilizados, entre outros, que “permitem a estabilidade do produto”.
A importância de medidas como esta foi destacada por Paula Policarpo, Presidente da Direção da DariAcordar, uma associação sem fins lucrativos criada em 2011, que deu origem ao movimento Zero Desperdício. De facto, a forma como o prazo de validade de um produto é declarado vai determinar, entre outras coisas, se esse produto pode ou não, em termos legais, ser reencaminhado para quem precisa, o que “faz toda a diferença” para associações como a que representa.
Na linha da frente no combate ao desperdício alimentar, a DariAcordar lançou recentemente, em parceria com a Auchan Retail Portugal e com o apoio da Deco Proteste, uma aplicação para telemóvel, com vista a ajudar os consumidores a compreender as quantidades de alimentos que desperdiçam e os impactos ambientais e económicos dessa ação. O objetivo, como disse a responsável da associação, passa por “ajudar os consumidores a tomarem decisões mais informadas e conscientes”.
Aumentar a informação dos consumidores sobre o desperdício alimentar e o tema da sustentabilidade em geral é, sem sombra de dúvidas, uma necessidade. Isto porque, de acordo com José Borralho, CEO da Escolha do Consumidor, este tema “continua a não surgir no top of mind dos portugueses”, ou seja, “para os consumidores, o tema da sustentabilidade continua a andar apenas à volta da reciclagem”, disse, com base nos estudos que regularmente vão fazendo junto de um painel de cerca de quatro mil consumidores. “Não há consciência acerca da gravidade do problema”, observou ainda, referindo-se ao desperdício alimentar e recordando que “não se mudam mentalidades num período inferior a dez anos”.
Empresas com boas práticas
O segundo painel de discussão teve como tema “Boas práticas dentro das empresas relativamente ao desperdício alimentar”, e contou com a moderação de Patrícia Franganito, Diretora de Sustentabilidade para Portugal e Espanha da Bureau Veritas.
Uma das participantes no debate foi Ana Machado Silva, Research and Development e iFood & Sustainability Coordinator da Sonae, que lembrou que as cadeias de retalho modernas têm um posicionamento diferente do que era habitual até há poucos anos, já que “elas próprias têm marcas, colocam produtos à venda e têm responsabilidade em relação a esses produtos”, o que significa que “no fim do dia, ninguém quer ficar com produtos por vender”, implicando isso “um trabalho conjunto para perceber como é que o elo à frente na cadeia influencia o elo de trás”. Um dos projetos da Sonae destacados por Ana Machado Silva, por se integrarem neste contexto, foi a Escola Missão Continente, que se destina a sensibilizar crianças, professores, pais e toda a comunidade escolar para uma alimentação saudável, e um consumo consciente, consciencializando já hoje “os consumidores do futuro”, referiu.
Idêntica preocupação tem vindo a ser posta em prática desde 2007 pela Eurest, empresa que, segundo a nutricionista Gabriela Silva, tem implementado diversas medidas no sentido de monitorizar e reduzir o desperdício alimentar. Como resultado do empenho, desde 2021 foi já possível reduzir o excedente alimentar em 28%, estando agora a empresa a trabalhar para atingir a diminuição de 50% até 2030. Dietas mais adaptadas às necessidades nutricionais dos doentes internados nos hospitais foi uma das medidas postas em prática, e uma filosofia idêntica foi também aplicada nas cantinas escolares onde a Eurest opera, aqui com a preocupação de “tornar as refeições mais apelativas para não haver desperdício”.
Também Luís Correia, CEO da Planície Verde, referiu os diversos projetos em curso na empresa que dirige, com vista a reduzir o desperdício, e que começam logo por manter “plantações adequadas ao escoamento com vista a evitar o desperdício”. Além disso, a estratégia da União Europeia “Do prado ao prato”que visa tornar os alimentos mais saudáveis e sustentáveis, e é posta em prática pela Sonae, entre outros, tem obrigado aquela empresa a introduzir “mudanças significativas”, sempre com o objetivo de praticar “uma agricultura mais saudável”, indicou Luís Correia.
Maior sensibilização e impacto financeiro
Na sua intervenção, Carlos Hipólito, Head of Portugal da Phenix, destacou como relevante a vontade, manifestada pelas empresas, “de fazer algo diferente e de forma recorrente”, porque
“o problema desta temática é que há muito boas intenções, as pessoas lembram-se de fazer algo nesse sentido, mas não é algo recorrente”, lamentou. “As empresas que se juntam a nós têm cada vez mais essa preocupação, contam com a nossa experiência nesse sentido e o balanço é bastante positivo”
disse o responsável, acrescentando que o trabalho de sensibilização que têm vindo a fazer é “tanto ou mais importante que o trabalho no terreno”, pois este último acaba por ser uma “consequência da consciencialização” levada a cabo.
Questionado sobre a forma como a Phenix pode ajudar os parceiros em termos económicos, Carlos Hipólito respondeu que o modelo “passa muito por trazer mais eficiência naquilo que é a gestão dos produtos no dia a dia”, pois permite “adicionar mais algumas etapas àquilo que é o ciclo de vida de um produto, dando hipótese de reaproveitamento desse mesmo produto antes que a solução seja deitar para o lixo, sendo que esta é, hoje em dia, uma resolução muito longínqua, pois há muitas etapas que ainda podem ser feitas, mas que por desconhecimento as pessoas não aplicam”.
Além disso, em Portugal “há a possibilidade de benefício fiscal quando é feita uma doação”, lembrou, o que acaba por ajudar bastante, havendo uma “sensibilização maior para fazer doação de alimentos”. O responsável da Phenix Portugal recordou ainda uma lei que irá passar a ser fiscalizada com maior rigor a partir de janeiro de 2024, segundo a qual, grande parte das empresas será obrigada a doar o seu excedente, e se tal não for feito em doação de produto deverá ser compensado em doação de dinheiro, por exemplo. “Isto é positivo, porque mostra que o Governo está atento a estas questões e está a fazer algo nesse sentido”, rematou.
A terminar, Carlos Hipólito admitiu que a sociedade está mais sensibilizada para a questão do desperdício alimentar, mas “há ainda um longo caminho a fazer”, o que leva à intenção da Phenix de “reforçar esta questão da consciencialização”, nomeadamente, junto das escolas e empresas, projeto que gostariam de concretizar no próximo ano.
No final do debate, o Head of Portugal da Phenix recebeu das mãos de Patrícia Franganito um certificado emitido pela Bureau Veritas a atestar a sustentabilidade do evento, aferida em todas as etapas, desde o planeamento atá à sua execução e finalização.
Promover e avaliar a sustentabilidade de um produto
Já perto da hora de almoço – uma proposta da Eurest em modo taste experience, com o compromisso de desperdício zero e onde não faltou sequer uma deliciosa sopa de cascas de abóbora – houve oportunidade de ficar a conhecer o projeto LifeFoodCycle. Segundo Guilherme Gonçalves, Project Manager na Sonae, este é um projeto desenvolvido em parceria com a Phenix, e que “faz um match perfeito” entre as dificuldades encontradas diariamente nos processos de doação das lojas do universo Sonae e o apoio prestado pela Phenix.
“É preciso trabalhar a digitalização destes procedimentos e sentimos que uma plataforma digital que nos ajudasse a comunicar com os nossos parceiros, com as organizações com que trabalhamos, e ajudasse quem tem desperdício ou potencial de desperdício e quem o pode valorizar, seria o match ideal”
justificou à margem do encontro, salientando as vantagens de trabalhar em parceria com a Phenix.
No evento foi ainda apresentado o Sistema de Avaliação da Escolha Sustentável, promovido pela Escolha do Consumidor, e que consiste no primeiro sistema de qualificação público – através da avaliação de especialistas e consumidores – de produtos, serviços ou medidas que contribuem ativamente para a sustentabilidade a nível social, ambiental e económico.
Gastronomia sustentável
“Sustentabilidade à mesa: comer com consciência” foi o tema do terceiro e último painel de debate, este da responsabilidade da Zomato Portugal. Luís Azeredo, Head of Restaurant Consulting da Zomato Portugal, moderou a conversa em que participaram Joana Teixeira, fundadora do restaurante The Therapist, Catarina Gonçalves, fundadora do restaurante Órtea Vegan Collective, Marta Cerqueira, responsável do projeto online Peggada, e Filipa Valente, Marketing Associate da Zomato Portugal.
Em discussão esteve a forma como é possível – e desejável – combater o desperdício alimentar no sector da restauração, tendo sempre a sustentabilidade em vista. Foi, aliás, com o objetivo de ajudar os consumidores preocupados com esta vertente que a Zomato Portugal e a Peggada lançaram, em abril deste ano, uma coleção de espaços sustentáveis. Para terem o selo e fazerem parte da coleção certificada pela Peggada, os restaurantes têm de corresponder aos critérios definidos por esta organização, que vão desde a origem dos ingredientes usados no menu, às embalagens utilizadas para os preservar ou servir, sem esquecer o destino dos excedentes alimentares. Tanto o The Therapist como o Órtea Vegan Collective são espaços que integram a coleção certificada pela Peggada e disponível na app da Zomato Portugal.
A terminar, Filipa Valente chamou a atenção para o facto de, além da sustentabilidade ambiental, ser igualmente “importante ter em conta a sustentabilidade económica dos restaurantes”, para o que ajuda olhar para o desperdício alimentar precisamente numa perspetiva económica. Luís Azeredo corroborou, reforçando a importância de trazer para a discussões a faceta social, ambiental, o impacto na saúde e ainda na economia, do desperdício, razão por que “temos de repetir mais eventos e conversas destas”