Aveiro, um modelo de sustentabilidade e inovação

Uma iniciativa com

Aveiro destacou-se como um espaço de debate sobre sustentabilidade e inovação, reunindo especialistas para discutir os desafios globais, como as alterações climáticas e a inteligência artificial. Na conferência “Cultura e Sustentabilidade”, o presidente da Câmara Municipal, José Ribau Esteves, sublinhou a importância da cultura como motor de criatividade e participação comunitária, essencial para enfrentar esses desafios.

Aveiro, com a sua ligação histórica ao mar e à ria, serviu de pano de fundo para discutir o equilíbrio entre ecossistemas e desenvolvimento sustentável. A conferência “Cultura e Sustentabilidade”, um evento integrado na programação de Aveiro 2024 – Capital Portuguesa da Cultura, reuniu especialistas nacionais para debater os desafios e oportunidades da sustentabilidade no contexto português e aveirense.

O enquadramento, dado pela jornalista da RTP, Daniela Santiago, fazia antever uma discussão interessante entre três pilares fundamentais da sustentabilidade: ambiente, economia e sociedade. José Pina, coordenador de Aveiro 2024, abriu o evento com a certeza de que desde cedo esta região, assim como o município, se habituou a ter na sustentabilidade uma forma de vida e de equilíbrio entre os diversos ecossistemas que caracterizam este vasto território.

Este é um tema fulcral da atualidade que importa assumir na agenda das decisões coletivas e individuais. Mais do que uma tendência, a sustentabilidade é hoje uma necessidade, um dos assuntos cruciais da atualidade e que está a redefinir o nosso estilo de vida. (…) a sustentabilidade vive-se tanto à flor da pele como nas mais complexas considerações intelectuais, tendo ramificações que se estendem a todos os campos da nossa existência.

Na sua intervenção, José Pina enfatizou o facto de em cada trimestre de 2024 terem sido abordadas linhas de programação com conteúdos criados à medida deste projeto. Desde artes performativas, exposições, cinema, literatura, espaço público, gastronomia e pensamento, áreas que formam a espinha dorsal da programação de Aveiro 2024, com um conjunto de encomendas pensadas para cada um dos temas trimestrais: Cultura e Identidade, Cultura e Democracia, Cultura e Sustentabilidade e Cultura e Tecnologia.

“Sustentabilidade é um processo contínuo que requer o compromisso de todos”. A frase é de Filipa Pantaleão, secretária-geral da associação sem fins lucrativos Business Council for Sustainable Development (BCSD) Portugal, que explorou nesta conferência o facto de “só com ações e responsabilização de todas as partes” os desafios da sustentabilidade poderão ser ultrapassados e as oportunidades devidamente aproveitadas.

Aveiro é uma cidade que todos conhecemos pelo seu património histórico, pela sua beleza natural e pelo seu desenvolvimento sustentável.
Filipa Panteleão

Para ela, a produção de conhecimento e a disseminação desse conhecimento junto à universidade, aliado ao vigor económico das empresas e indústria presente na região, representa desafios muito maiores do que apenas o desenvolvimento económico. “Enfrenta as alterações climáticas face à sua localização“. No entanto, explica Filipa Pantaleão, Aveiro está numa situação privilegiada para ser um exemplo de inovação em práticas sustentáveis graças ao seu Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano, que “define uma visão clara para o futuro da cidade“. Na sua intervenção, Filipa Pantaleão centrou-se tanto na mobilidade urbana sustentável como na gestão de recursos naturais, pilares que adjetivou como “fundamentais” e que “já fazem parte das iniciativas municipais que conhecemos no nosso dia-a-dia“, mas que ainda assim precisam de mais vigor para que a implementação possa ser efetiva. “Contamos com a colaboração de todos para ter sucesso“, reforçou a secretária-geral da BCSD.

Após a keynote, a primeira sessão focou-se na construção do futuro sustentável de Aveiro, contando com a participação de Emídio Sousa, secretário de Estado do Ambiente, Carlos Borrego, professor emérito da Universidade de Aveiro, e Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde. “Aveiro é uma cidade absolutamente privilegiada pela sua localização e condições naturais”, afirmou o secretário de Estado, antevendo desafios precisamente por esta ser uma cidade “atrativa e dinâmica“, alvo de uma procura que pressupõe um repto para o equilíbrio entre qualidade de vida, sustentabilidade dos recursos e preservação do ambiente natural. “Não nos podemos esquecer que a natureza, a biodiversidade e os espaços naturais são hoje um ativo, um valor económico notável”, mencionou o governante.

Neste contexto, Emídio Sousa enfatizou o papel do poder local, que classificou de “parceiro privilegiado”, justificado pela proximidade, conhecimento e ambições que têm nas regiões. Convém referir que recentemente o Governo decidiu prolongar o Programa Polis Litoral Ria de Aveiro, “precisamente para trabalhar estes aspetos de desenvolvimento e sustentabilidade” neste “espaço de excelência“.

Neste debate, Carlos Borrego, professor emérito da Universidade de Aveiro, enalteceu o facto de desde a fundação da instituição, há 50 anos, criar os primeiros cursos de ambiente e recursos naturais. Dois cursos que nos anos seguintes se desenvolveram para o que é hoje Engenharia do Ambiente. “Desde o início que a universidade pensou ser importante fazer algo de diferente numa área como a zona de Aveiro” em que, pela presença de uma ria, “tinha condições especiais” do ponto de vista ambiental. Mas não só, comentou Carlos Borrego, até porque “o ambiente é apenas uma pequena parte da sustentabilidade”. Carlos Borrego abordou a questão do facto de a “cidade-cidadã” ter de ser capaz de não só olhar para a estratégia global da cidade mas ir “às pessoas“. E isto, nas palavras do professor emérito, é a grande mudança da sustentabilidade. “A grande estratégia futura não é continuar a falar apenas do global. Mas perceber até que ponto as pessoas, ao saírem de casa, sentem que houve melhorias do ponto de vista da sustentabilidade, porque do ambiente já sabemos que tem de haver“.

Na questão dos resíduos, Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, admite existir um grande desafio pela frente, até pelo conceito de cidadania ambiental.

Tem a ver com comportamento, com consciência, com impacto… Mas também com serviços, conveniência e com o facto de as pessoas terem à sua disposição a facilidade de poderem adotar comportamentos ambientais.
Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde

A executiva salientou igualmente a importância do poder local – “quem está no território, junto das populações e do turismo” – em todo este contexto. “Diria que estamos muito conscientes de que o País tem de acelerar muito, não só no nível de serviço que presta às comunidades, sejam elas residentes, estudantis ou trabalhadoras, mas também em novos processos de tratamento dos resíduos e da limpeza urbana”. O grande desafio para Aveiro, enumera Ana Trigo Morais, é tornar esta cidade um espaço circular. “E não estou a falar de rotundas! Estou a falar de valorização de recursos, de resíduos e aproveitar o que é o valor ambiental e transformá-lo em valor económico”. Neste painel, Ana Trigo Morais abordou ainda a questão da inovação, salientando a necessidade de trazer tecnologia madura para o mercado.

Um dos pontos altos do evento, que estartá disponível na RTP Play, foi o debate sobre a inovação tecnológica e o uso da inteligência artificial nas práticas de sustentabilidade, uma sessão que contou com a participação de José Pimenta Machado, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, João Machado, vereador do Ambiente, Luís Manuel, director of Diversification and Innovation da Greenvolt, e Pedro Cruz, ESG coordinator e partner da KPMG Portugal.

Os palestrantes discutiram como a tecnologia pode impulsionar práticas sustentáveis, abordando temas desde a mobilidade sustentável até ao turismo de natureza e patrimonial. José Pimenta Machado lançou um dado para a audiência, para “impressionar“, comentou o presidente: Portugal já perdeu para o mar 13,5 km2 de território. “Em termos de campos de futebol, já perdemos 1200 para o mar e temos de nos preparar para nos defender nesta nova realidade“. Aqui entra “naturalmente” a tecnologia, mas também o uso de soluções de base natural para defender a faixa costeira. José Pimenta Machado abordou ainda o que denominou de “eventos extremos”, seja água a mais, seja água a menos. “No Norte, na bacia do Lima, em 15 dias choveu mais do que em dois anos no Algarve. É este o nosso País“, disse o presidente da APA, abordando depois a óbvia necessidade de eficiência e poupança, não só na água como na energia.

Lideramos uma rede de Urbact, cidades que partilham conhecimento com outras cidades, sendo que a União Europeia avaliou a nossa candidatura como excelente. Desta forma, podemos escolher as cidades a quem queremos transmitir esse conhecimento.
João Machado, Vereador do Ambiente

João Machado, vereador do Ambiente, relembrou que Aveiro é conhecida por ser uma cidade tecnológica, uma postura presente em todos os intervenientes na região, desde a já mencionada universidade, município e mesmo tecido empresarial. O autarca salientou que Aveiro é a única cidade portuguesa que lidera um processo de transferência de conhecimento na área de inovação.

Consciente de que muito do trabalho que está a ser desenvolvido é invisível aos olhos dos munícipes, o vereador do Ambiente mostrou-se particularmente orgulhoso dos projetos que entretanto já existem na região, como a plataforma do Aveiro Tech City Living Lab que permite saber, por exemplo, quantos carros, pessoas, motas ou pesados estão a passar na Ponte da Dubadoura. O autarca explicou que, neste momento, o objetivo é recolher e acumular dados para mais tarde, e através da inteligência artificial, ajudar à tomada de decisão quando for preciso, por exemplo, cortar uma rua e distribuir os fluxos de trânsito. Para tudo isto, João Machado salienta a necessidade de capital para investir, nomeadamente em inteligência artificial, e continuar a crescer não só em Aveiro, não só em Portugal, mas na União Europeia. “Das 50 maiores empresas de tecnologia do mundo, apenas quatro são europeias“.

Na transição energética, extremamente importante do ponto de vista de sustentabilidade, a fase é de “tremenda aceleração“, comentou no evento Luís Manuel, director of Diversification and Innovation da Greenvolt, com os investimentos a duplicarem num período de três anos. “Vemos isto num conjunto de outros ativos, como a geração de energias renováveis“, explicou o especialista.

Aveiro é uma cidade que todos conhecemos pelo seu património histórico, pela sua beleza natural e pelo seu desenvolvimento sustentávelu0022, reforçou Filipa Pantaleão à audiência que se deslocou ao Centro de Congressos de Aveiro.

No entanto, o muito que se fez é, nas palavras de Luís Manuel, apenas uma fração do que se terá de fazer para se atingir o denominado Net Zero, ou seja, um estado ideal em que a quantidade de gases com efeito de estufa (GEE) libertados para a atmosfera terrestre é equilibrada pela quantidade de GEE removidos. Os números falam por si e são assustadores. “Neste momento, temos 60 gigawatts de capacidade de ‘utility scale storage’, sistemas projetados para armazenar grandes quantidades de energia elétrica e libertá-la conforme necessário. Um número que tem de ascender a 1100 gigawatts até 2030“.

Pedro Cruz, ESG coordinator e partner da KPMG Portugal, trouxe alguns exemplos de como a tecnologia está presente e a melhorar a perspetiva da sustentabilidade. Na agricultura, a KPMG tem clientes que com drones monitorizam as culturas e conseguem medir o stress hídrico, as necessidades de talhões de 1m2. “Ou seja, a rega de determinado talhão vai ser diferente nos nutrientes, na percentagem de água, do talhão ao lado“. Isto obviamente impacta a sustentabilidade porque permite otimizar o consumo de água, por exemplo. Permite ainda uma maior produtividade, fruto de um número mais reduzido de doenças.

Outro exemplo dado por Pedro Cruz foi um centro comercial que hoje em dia já usa inteligência artificial para, através de dados recolhidos com sensores, ir automatizando e alterando em tempo real a temperatura do ar condicionado em função da temperatura de cada zona do centro, muito em função do número de pessoas a circular. Tudo isto é sustentabilidade, com Pedro Cruz a garantir que a fatura desse cliente, desde que fizeram o investimento em IA, caiu entre 20% a 30%.

José Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Aveiro, encerrou o evento destacando a importância de abordar e debater a sustentabilidade, especialmente considerando os desafios globais como as alterações climáticas e o avanço da inteligência artificial. “Aveiro é um território do Mundo e não faz sentido fazer abordagens de Aveiro-Cidade ou Aveiro-Município ou região”, salientou José Ribau Esteves, justificando que Aveiro é um território internacionalizado e que as empresas locais são exportadoras “mesmo antes da fantástica indução das exportações provocada pelo governo de Passos Coelho”. Mas Aveiro, diz o presidente, já estava na Europa e no Mundo.

Fazendo a ponte com o tema desta conferência, Cultura e Sustentabilidade, o edil explana que “para nós a cultura não é um instrumento de deleite para nos divertirmos com uma peça de teatro, para nos encantarmos com a música ou dança, para o Mundo ser mais belo pela escultura ou pela pintura”. Sobretudo, disse José Ribau Esteves, “a cultura visa induzir capacidade criativa e inovadora, induzir participação e vida comunitária e partilha”. Numa era em que o digital ganha particular relevância, o presidente da Câmara Municipal de Aveiro reforçou a necessidade de trabalhar e aumentar os espaços de encontro físico. E a cultura, nas palavras do autarca, é absolutamente capital.