Até quando vamos ignorar a crise ambiental?

Uma iniciativa com

Este artigo foi desenvolvido no âmbito da conferência “Cultura e Sustentabilidade” que se irá realizar a 18 de outubro no Centro de Congressos de Aveiro.

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Francisco Ferreira

Presidente da ZERO


Francisco Ferreira, presidente da “ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, com um claro percurso profissional desde sempre ligado ao meio ambiente, explica-nos porque apesar de alguns sinais de melhoria, ainda existem muitos outros negativos, e conclui que a humanidade ainda está longe de viver equilibradamente de forma sustentável


Em termos profissionais, terminado o secundário, optei por um curso na época recente, de engenharia do ambiente, na atual NOVA FCT (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa), onde mais tarde ingressei na carreira académica e onde sou professor, depois de ter estudado também alguns anos nos Estados Unidos, nas áreas da poluição da água e do ar. Foi assim um percurso onde a vida como ativista em diferentes associações foi conjugada com uma atividade de ensino e investigação na área do ambiente e da sustentabilidade e que sempre foi muito gratificante nos planos da realização pessoal e profissional.


1976

Efetivamente, foi aos 10 anos, em 1976, logo a seguir à revolução de abril, aquando da criação do Parque Natural da Arrábida que, com um grupo de colegas na atual Escola Básica Barbosa du Bocage, me envolvi em atividades em prol da conservação da natureza e pela redução da poluição na região de Setúbal.

entre 1996 e 2001

Com outros jovens, fiz parte de um núcleo da Liga para a Proteção da Natureza que depois deu origem ao jornal “Setúbal Verde” e ao Projeto Setúbal Verde, que mais tarde se integrou na Quercus, tendo sido da direção durante largos anos e presidente entre 1996 e 2001

2015

Fiz parte do grupo fundador da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

2024

Ao longo de várias décadas foram extremamente enriquecedoras todas as experiências de contacto com outras associações nacionais e internacionais, cruzando visões de países com realidades muito diferentes e olhando para a atuação dos cidadãos e dos diversos governos na procura de soluções para problemas tão dramáticos como os que vivemos nas áreas das alterações climáticas, biodiversidade, poluição e gestão dos nossos recursos limitados.


De uma forma geral a evolução do estado do ambiente, quer à escala nacional, quer internacional, pode considerar-se com um misto de sinais positivos e negativos.

À escala global, a temperatura média global aumentou consideravelmente nas últimas três décadas, com efeitos dramáticos no aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas e cheias, o derretimento do gelo e o aumento do nível do mar, entre outros impactos do aquecimento global e consequentes alterações climáticas

Tem havido um esforço global crescente, com metas de emissões de gases com efeito de estufa fixadas através do Protocolo de Quioto (1997) e pelo Acordo de Paris (2015), que infelizmente têm ficado aquém do necessário. A perda de habitats, a expansão da agricultura, a urbanização e a poluição contribuíram para um declínio alarmante na biodiversidade.

A acumulação de resíduos de plásticos nos oceanos e em outros ambientes naturais emergiu como uma das crises ambientais mais significativas, levando a campanhas globais para a redução de plásticos de uso único e a promoção de práticas de reciclagem. Tem havido um aumento do recurso a fontes de energia renovável, como solar e eólica, com avanços tecnológicos que tornaram essas origens economicamente mais viáveis.

No entanto, a dependência de combustíveis fósseis ainda persiste, criando um desafio contínuo para a sustentabilidade. A ideia de uma economia circular, que visa minimizar o desperdício e maximizar o uso eficiente de recursos, ganhou força, embora a implementação ainda esteja em estágios iniciais em muitos setores. O aumento da consciência pública sobre questões ambientais levou a movimentos sociais significativos, como as greves climáticas lideradas por jovens e o aumento de práticas de consumo consciente. Isso também se refletiu na pressão sobre governos e empresas para adotar políticas mais verdes. Em Portugal, em grande parte resultado das exigências da nossa integração na União Europeia, temos vindo a reduzir a poluição do ar, apesar de ainda insuficiente como no caso do centro de Lisboa. Temos aumentado a reciclagem, mas estamos longe dos objetivos de redução, reutilização e reciclagem, com muitos resíduos a irem para aterro. Nas emissões, os transportes rodoviários têm um peso muito significativo nas emissões de gases com efeito de estufa. Temos quase um quarto do território abrangido por restrições para salvaguarda dos habitats e da biodiversidade, mas temos uma enorme pressão de construção no litoral.


Os principais indicadores ambientais e sociais não apontam para uma evolução positiva. Por exemplo, as desigualdades sociais têm vindo a aumentar quando temos em consideração o indicador da distribuição da riqueza. Aliás, as crises dos últimos tempos têm vindo a amplificar o fosso entre os mais riscos e os mais pobres. Do ponto de vista ambiental, temos hoje mais planos e estratégias para enfrentar uma boa parte dos problemas ambientais que, sabemos, estão a interferir diretamente com o bem-estar da Humanidade, mas não estamos a implementar as medidas necessárias para, verdadeiramente, conseguirmos inverter a tendência de indicadores ligados às grandes crises ambientais que atravessamos, nomeadamente, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a poluição e o uso de recursos. Para evitar um futuro onde a qualidade de vida de milhões de pessoas piorará de forma significativa, serão necessárias mudanças fundamentais no modelo de produção e consumo em que vivemos. Teremos de fomentar o conceito de suficiência e questionar mais aquilo que consideramos necessário para definirmos a nossa qualidade de vida.


É claramente insuficiente. Os resultados assim o indicam e a própria ciência demonstra-o. Ter informação é importante, a literacia sobre as implicações das nossas ações é fundamental para compreendermos melhor porque temos de assumir uma postura diferente e para pressionarmos os nossos decisores políticos e empresariais a agirem em conformidade, mas saber não é um indicador de ação e o que precisamos com urgência é de agir, de fazer diferente, de ter a coragem de mudar estruturalmente a sociedade.

E depende de nós, aqueles que mais recursos têm. De facto, dos cerca de 8 mil milhões de pessoas que habitam o planeta, o mil milhão mais rico é responsável por 72% do consumo de recursos, ou seja, é responsável pelos impactos ambientais e sociais dele decorrentes. Portanto, não existem os outros a quem possamos atribuir a culpa. É quem tem mais recursos à sua disposição que tem o maior impacte ambiental e isso deve-nos levar a refletir sobre a ética subjacente a esta situação de acumulação de riqueza e uso de recursos por uma pequena parte da população. Menos é mais.


Esta pergunta é muito genérica, pois dependendo da área em que nos centramos há ações diferentes a implementar. Procurando dar uma resposta mais genérica, claramente questionar as necessidades de ter mais, de querer sempre mais é um passo importante, procurando promover a ideia da suficiência, da frugalidade. Ter uma alimentação de base vegetariana (ou com uma grande redução do consumo de proteína animal), evitar viajar de avião, ter menos coisas, reutilizar mais o que se tem, comprar em segunda mão, vender o que já não precisa. Isto do ponto de vista individual. Do lado dos governos é necessária uma abordagem mais ética, pois continuamos a ter muitos egoísmos e interesses específicos de cada país a interferirem com os acordos internacionais. Uma consciência de que a ação de um ator político não pode ser regida por calendários eleitorais e por necessidades de ganhar eleições, mas que têm de assumir a sua responsabilidade para com as gerações presentes (dentro e fora das suas fronteiras) e as gerações futuras.

“Do lado dos governos é necessária uma abordagem mais ética, pois continuamos a ter muitos egoísmos e interesses específicos de cada país a interferirem com os acordos internacionais.”

Um bom exemplo é o que o País de Gales já está a fazer, aplicando a Lei da Gerações Futuras a todos os níveis da administração pública, procurando testar as políticas, estratégias e medidas que são pensadas, à luz do seu impacto nas gerações futuras. A integração destas necessidade de médio/longo prazo podem tornar o processo de decisão mais ético e de acordo com as necessidades da Humanidade, libertando os decisores do jugo do imediatismo e da resposta a crises conjunturais, contribuindo para melhorar a resposta a crises estruturais que podem pôr em causa a própria espécie humana.


Existe, mas é necessário agir já e sem demora, sendo que, em alguns casos (por exemplo em termos de perda de biodiversidade – não se consegue reverter a perda de milhões de espécies – ou até alguns dos impactos das alterações climáticas) algumas consequências já serão inevitáveis.


Mais do que uma literacia ambiental, é importante ter uma literacia enquanto cidadão do mundo. Um foco em aspectos éticos e na nossa responsabilidade em termos das consequências das decisões que tomamos no quotidiano, nas gerações do presente (dentro e fora das nossas fronteiras) e do futuro.


Com coragem e capacidade de mobilização, pois a mudança necessária para que muitos dos indicadores ambientais alterem as suas tendências negativas, implicará formas muito diferentes de fazer o que fazemos hoje, implicará uma transformação de valores (menos centrados no bem-estar do indivíduo e mais centrado no bem-estar de todos), colocar o investimento público ao serviço desta mudança e penalizar as atividades e soluções que sabemos que só contribuem para agudizar muitas das crises que enfrentamos. Não são mudanças fáceis, pelo que é preciso coragem e capacidade de visão, privilegiando o bem-estar das sociedades no médio/longo prazo.


Com coragem e capacidade de mobilização, pois a mudança necessária para que muitos dos indicadores ambientais alterem as suas tendências negativas, implicará formas muito diferentes de fazer o que fazemos hoje, implicará uma transformação de valores (menos centrados no bem-estar do indivíduo e mais centrado no bem-estar de todos), colocar o investimento público ao serviço desta mudança e penalizar as atividades e soluções que sabemos que só contribuem para agudizar muitas das crises que enfrentamos. Não são mudanças fáceis, pelo que é preciso coragem e capacidade de visão, privilegiando o bem-estar das sociedades no médio/longo prazo.


Talvez seja mais interessante falar sobre o que se pode fazer. Nos piores cenários todos perderemos, mesmo todos. Contudo, serão sempre os que menos têm que mais sofrerão, infelizmente. Mas a longo prazo, todos perderemos. Tendo isto presente, é mais interessante procurarmos evitar a concretização dos piores cenários, do que passarmos tempo a descrevê-los.


Depende muito do que considerarmos como sustentável. Mesmo os estilos de vida sustentáveis das sociedades mais desenvolvidas continuam a ter um impacto ambiental superior ao aceitável, pois assentam num modelo de consumo ainda bastante intensivo, muitas vezes assente na importação de produtos e continuam a exigir muitos recursos. Não nos podemos esquecer que muitas das soluções mais sustentáveis acabam por ser escolhidas por aqueles que normalmente têm mais recursos à sua disposição (em termos de educação e em termos financeiros). Assim, muito embora o seu impacto seja menor do que o impacto de alguém, da mesma classe social mas que não integre as preocupações de sustentabilidade, continua a ser acima do necessário para que todos os que habitam o planeta possam viver com bem-estar.

Portanto, podemos dizer que há uma consciência maior da importância da sustentabilidade, mas da consciência à prática ainda vai uma distância considerável. Uma das razões para isto mesmo é o facto da própria sociedade nos empurrar para a insustentabilidade. Tendencialmente, quem quer ser sustentável tem de estar mais bem informado, tem de conseguir navegar entre informação contraditória e muitas vezes técnica, tem de procurar as soluções em locais menos habituais e muitas vezes, investir mais.


“Na região de Aveiro, o mais marcante talvez seja o esforço de recuperação e preservação da Ria de Aveiro que tem envolvido também a cidade.”

Na região de Aveiro, o mais marcante talvez seja o esforço de recuperação e preservação da Ria de Aveiro que tem envolvido também a cidade. Aveiro ficou conhecida desde há décadas pelo esforço de investimento no uso de bicicletas e na rede de ciclovias e na promoção de modos de transporte mais sustentáveis. Há a assinalar também algumas melhorias no sistema de transporte público, em espaços verdes, na promoção de melhores indicadores na gestão de resíduos e ainda na eficiência energética, nomeadamente no recurso à produção de edifícios mais sustentáveis, incluindo o recurso à produção de eletricidade proveniente de painéis fotovoltaicos. A qualidade de vida em Aveiro é comparativamente melhor que outras cidades médias em Portugal.

Porém, vários conflitos no ordenamento do espaço urbano, nem sempre promovendo restrições ao uso do automóvel e a preservação de espaços verdes, bem como os resultados em termos de redução da produção de resíduos, a reabilitação do edificado ou ainda o envolvimento da população rumo a um consumo mais sustentável, representam oportunidades de melhoria, onde a cultura como elemento da sustentabilidade é uma vertente fundamental de desenvolvimento e interação entre a economia, as pessoas e o ambiente.